quinta-feira, 17 de julho de 2008

Diante do meu volante, em caminhos escondidos

Aprender a dirigir passou de tormento a poesia em minha vida. De um sonho distante, demorado demais, se tornou mais uma possibilidade de descobertas dentro e fora de mim, sobre pessoas, modos e lugares.

Desde que meu carrinho chegou – finalmente -, tenho aprendido nele os primeiros comandos, segredos e vícios existentes na vida de quem é motorista. Eu não via a hora de sair por aí, girando o meu próprio volante sobre as rodas que podem me levar a qualquer lugar.

Isso ainda não aconteceu de todo, já que ainda estou em processo de aprendizagem, mas desde então que eu venho notando como uma lição bem passada e muito desejada flui na vida da gente para o bem inquestionável: é a mágica da motivação. Eu pensava apenas em dominar os comandos do carro e adquirir o mínimo do instinto que detecto nos bons motoristas com quem ando. Quem diria, estou indo mais longe!

Como pessoas desabilitadas só podem aprender, oficialmente, com um profissional autorizado, em aulas marcadas e pagas, tive de dar o meu jeitinho. Nunca tinha dirigido antes, então, é perfeitamente compreensível a minha ansiedade logo que o pretinho chegou. No mesmo instante já tive aulas com minha cunhada, que, com muita paciência, foi me passando os comandos iniciais e já me confiou o banco do motorista. No outro dia mesmo já estava me aventurando sozinha nos arredores de casa: estrada de terra, curvas, ruelinhas estreitas. Depois, os motoristas todos da família tiveram de me aturar. Final de semana algum deles teriam o compromisso de sair comigo e me ensinar mais e mais. Eu queria – e quero - voar!

Isso não faz tanto tempo assim, e pouca coisa mudou desde então. Já saio sozinha, mas ainda não me aventuro pelas ruas de verdade, com tráfego e possíveis guardas. Mas a minha vontade só aumenta, então tive de dar um outro jeito, que veio graças a uma solução trazida por meu irmão – o cara mais velho que ficou no lugar do pai e, agora, me ensina mais essa lição. Ele me levou para além da nossa rua, me deu as asas que foram possíveis naquele momento do meu sonho de guiar. E que bom que isso aconteceu.

Já fomos várias vezes andar pelos caminhos escondidos da cidade, com pedaços asfaltados, outros em puro cascalho. Já subimos e descemos muitos morros, estradinhas estreitas rodeadas de árvores e barrancos ameaçadores, subidas muito íngremes, belas paisagens. Ao nosso redor, liberdade! Chácaras bem cuidadas, casinhas simples, animais, mato, céu, chão bom de andar, chão ruim, valetas, sobe e desce. Até na chuva, com solo lamacento e muito escorregadio meu irmão já me ensinou a transpor! E agora é assim, todo domingo, nos refugiamos por trilhas ao redor da cidade que escondem um verdadeiro tesouro natural e a paz que a gente busca quando quer, simplesmente, dirigir. E é mesmo como se, vivendo isso, sentássemos diante do volante da nossa vida e deixássemos tudo que é prático demais pra atrás.

A cada domingo tem sido ainda mais maravilhoso! Depois do costumeiro almoço com a família, dá aquela vontade enorme de fugir, sair, contemplar a vida. É, chegou a hora daquele compromisso delicioso que passou a fazer parte da minha vida e que está ficando ainda melhor conforme eu pratico. Fomos todos juntos, em dois carros, aprender a dirigir comigo... mas fomos muito mais longe, eu sei.

Desbravamos lugares tão agradáveis que fica até difícil descrever as sensações, de tão atípicas diante da rotina que se vive hoje em dia. E, ainda bem, eu aprendi a nunca abrir mão de momentos simples assim. A natureza viva e colorida por todos os lados, silêncio de gente substituído por barulho de bicho e de vento, estradão de terra, o tremer do cascalho embaixo dos pneus, o céu imenso e a companhia daqueles com quem eu posso ser cada vez mais eu me deram uma visão privilegiada da vida. Era um ar realmente limpo e a liberdade mais despretensiosa do mundo que nos conduzem nesses domingos. Juntos, compartilhamos momentos extremamente simples, naturalmente felizes, que precisaram apenas da nossa disposição para acontecer.

Meu carro, novinho em folha, vive borrado de terra vermelha, de lama e poeira desses caminhos que eu descubro nos finais de semana, e eu acho isso a coisa mais linda do mundo! Lavo quantas vezes forem necessárias, mas que o meu e todos os carros do mundo, consigam passear pela vida do jeito que eu estou passeando nessas lições de volante que tenho junto à minha família nos arredores da nossa cidade. Que árvores e grilos, flores raras, caipiras, bichos estranhos façam parte dessa paisagem, porque o amor pela vida começa assim, com tudo isso que a gente aprende a admirar conforme vai avançando as marchas.

Convido-te a sair


Você é uma porta que se fechou.
O capítulo que, finalmente,
Dou por terminado.
Despeço-me de você agora,
Lembrança de outrora,
De tudo aquilo que fui e não consigo mais ser.


E ao me despir de você,
Abandono também todas as ilusões
Que permearam meus sonhos até aqui.
Encerro o ciclo de amor
Que ainda parece não acabar mais.
Irei para bem longe de ti.


Minhas lembranças não terão mais permissão
De visitá-lo no cair da madrugada,
E tampouco nas manhãs silenciosas, serenadas.
Nem sequer nos dias de sol intenso,
E em nenhum outro momento.
Fique longe de mim.


Pelo meu próprio bem, me retiro
De todos os espaços que você ocupa.
Renego, em troco, o amor que um dia também me foi negado.
E as lágrimas, que, enfim, secaram.
Devolvo-te o silêncio e a ausência,
E esqueço, pois se foi, a angústia.


Despeço-me da tua saudade,
Do teu frescor, da tua ousadia,
Do teu ego, que tanto alimentei.
Hoje eu prefiro a solidão segura
Mas repleta da candura
De quem aprendeu outra lição.

Contratado




Não me incomoda sair de casa, conviver com desconhecidos ou o trabalho em si. Ele é bendito, uma vez que é exercício para a mente e o corpo. Me incomoda a prisão, a imposição, a chantagem indireta e covarde praticada há tantos séculos. Me ofende a obrigatoriedade de dias e horários, de excesso, de obediência, como se eu fosse um equipamento programável. Me irrita o peso de uns sobre os outros através de ordens, desmandos, autoridade usada de forma burra, ignorante.

Por que vendemos tão barato o nosso tempo? Por que a ausência de pessoas queridas, a distância de tudo que nos faz bem é tão desvalorizada? Por que, em troca de um salário que nunca dá, tenho de fingir não ser humana? Aliás, por que todos fingem juntos essa competência e essa perfeição irreais em qualquer situação, enquanto outros fingem acreditar e aceitar? É mesmo preciso agir assim, se matando aos poucos, fazendo-nos doentes, para sustentar nossas necessidades? Essa ausência de tempo e de vida transforma as necessidades em vaidades e nós nem notamos.

A negação da liberdade é tão violenta quanto a renúncia que fazemos, nós próprios, dela. Tudo em troca de alguns trocados que sequer compram nossa felicidade e tampouco recuperam o tempo perdido e a saúde de outrora, dos tempos em que havia tempo para sermos nós mesmos, sem teatro e nem tortura.

O homem, quando se torna trabalhador, é confundido com ferramenta, máquina, tudo o que é duro, bruto e sem vida, a ponto de confundir-se ele mesmo sobre quem é e esquecer-se do que realmente gostaria de ser.

O trabalho é bendito, deveria ser experimentado assim, como um prazer, uma opção a mais para aprender a ser cada vez melhor como ser humano. Deveria, de verdade, ser humano e natural, tanto quanto são aqueles que o desempenham. Sem gente não haveria trabalho. Ele deveria ser realista, livre, respeitar a natureza pessoal, e não usar de força, de poder, de obrigação. Mas enquanto for praticado dessa forma, sob exigências e imposições, enquanto for mantido sob as mãos impiedosas dessa ditadura mascarada de democracia e direitos, o ato de trabalhar não renderá todos os bons frutos que poderia, nem para um lado e nem para o outro.

O mercado de trabalho global ainda não aprendeu a usar em seu favor a maravilha que tem nas mãos.