quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ele pensa que eu não sei

Lá vai ele de novo.

Pé na estrada.

Dificilmente liga o som. Assim que inicia seu trajeto, quase sempre a um rumo incerto, ele prefere mergulhar nos seus pensamentos grandiosos sem interrupções. A música lhe provoca emoções satisfeitas só mais tarde, na eterna busca noturna longe de casa.

Vai enrolando uma mechinha de cabelo acima da testa, e segue viagem: o início de mais um desafio ou a continuidade deles. Pelo menos é nisso que ele procura pensar pra ter coragem de assumir seu volante e partir, como já fez tantas e tantas vezes.
Conforme vai enrolando essa mecha de cabelo, vai alimentando seus sonhos ambiciosos, suas projeções de futuro, vai antevendo o sucesso que tanto persegue.

A estrada, o movimento dos dedos no cabelo, a solidão são suas terapias. Ele mergulha profundamente naquilo que tem de mais seu e que jamais revela a ninguém. Imagino o misto de sensações que se misturam ali, naquela alma inquieta, insatisfeita, misteriosa.

Atravessa cidades e Estados como se tivesse nascido de um caminhão, feito para as rodovias, para as distâncias. Distâncias tão pequenas perto daquelas que impôs entre ele e os demais seres humanos. Vive sozinho e assim se aceita.

Talvez não aceite e nem goste da solidão verdadeiramente, mas nunca admitirá isso a ninguém. Em sua mente, é melhor assumir a condição do que expor aquilo que pode desencadear suas maiores fraquezas.

Lá vai ele, mergulhado em si próprio numa busca para a qual ainda não existem mapas. Ele ainda vive sem norte, simulando direções.

Ignorando paisagens e personagens, vai passando pela vida, veloz, frenético, ansioso, desesperado por respostas e oportunidades. Não vê, mas entende e memoriza tudo à sua volta. Pouco lhe importa, o único lugar que tem medo de desbravar verdadeiramente é sua personalidade, suas ações e reações, as causas que acumula – os efeitos das ventanias que planta.

Não é ruim, não. É único. Tão único que sente dificuldades extremas de se encaixar nesse mundo, nesse formato fútil de conveniências. Talvez ele seja o mais puro dos sobreviventes.

Lá vai ele, fazendo poeira de pneu, deixando uma calmaria a que os seus não estão acostumados. Dali a pouco ele volta – se Deus quiser ele volta -, e traz de novo o barulho, a inconstância, a contradição, a raiva. E traz também o antídoto que só ele possui: cura da nossa saudade.

4 comentários:

  1. Orá Ari-tian:

    Lindo seu texto no Balaio, senti enorme orgulho. ELA, de onde estiver, também.

    Bem, continuo sem acesso ao Boteco. Tenho vindo pouco na cidade, porisso foi mais rápido abrir outro e-mail: teruko_taiwa@co.jp

    Enviei ao seu e-mail uma carta para todos nossos Amigos Botequeiros semanas atrás. Estarei reenviando.

    Ksss
    Neide

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  2. Orá Ari-tian:

    Este seu canto, de tão profundo é quase sagrado. Às vezes dá medo de profanar.

    Ksss
    Neide

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  3. Menina, menina,...
    Você é cheia de surpresas.
    Estou adorando os blogs e, não consigo parar de pensar, como você consegue?
    Parabéns, parabéns.
    BEijos,
    Lau

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  4. Sou sua mais nova seguidora ! Amei esse texto, demais mesmo, se esse papo de "identificar-se" não fosse tão brega ia dizer que me identifiquei com ele, rsrs, adorei!
    Parabéns, passa no meu !

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