sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

“Texto Sentido” – o livro



Tive uma linda surpresa há alguns dias. Descobri (ou fui descoberta?) um livro de poesias com o mesmo nome do meu blog: Texto Sentido.


O autor, Lau Siqueira, entrou em contato comigo por e-mail contando sobre a coincidência. Dias depois, recebi em minha casa um exemplar da obra, repleta de criatividade, emoção, enfim... poesia!


A dedicatória? Ah... não poderia ser mais significativa:

“Aliz, querida, são nossas todas as palavras em Texto Sentido. Beijos! Lau”.


Os versos de Estirpe, Teia, Rio, Pluma, Poema, Simulacro, Poemail, Contralto e muito, muito mais mesmo, vieram da Capital da Paraíba. A inspiração, não sei, deve ter vindo do céu!


“Sou inconstante
E uma parte de mim
- confesso- anda distante

Como pássaro noturno
Em sobrevôo perco meu sonho
No sumidouro da estrada(...)”
(Estirpe – Lau Siqueira)


E as papoulas... ah, as papoulas...


“tudo em mim trafega
Os trilhos do infinito
Por isso o olhar
Abstrato
Sustentáculo deste
Corpo que anda sem
Mais que os passos
E voa sem mais
Que os braços”
(Papoulas – Lau Siqueira)


É incrível como a poesia consegue, a partir de elementos tão reais, ser tão abstrata, e nessa confusão toda, dizer tanto bem além das palavras.


Só posso dar o gostinho do livro aqui. Quem quiser mais, é só entrar no Blog do Lau – Poesia Sim – e ler mais, bem como comprar o livro. O endereço do blog é:

http://poesia-sim-poesia.blogspot.com/.


Adorei!
Parabéns Lau! Muito obrigada, e sucesso!!!


Sinto

(Aliz de Castro Lambiazzi)

Confundem-me todas essas sensações.
No fundo acho que é apenas uma...
Sensação!
Pensei que se amasse mais
Poderia me perder.
Pensava que se amasse tanto
Não pudesse ter.
Perco-me presa
Ou livre demais
Procuro por algo que já tenho
Por sentimentos tais.
Imaginava que dentro do existente
Muito era possível acontecer
Mas que a fantasia da mente
Ninguém mais poderia conhecer.
Sabia que poderia ser
Como um elo de mistério
E que, imersa em coisas sem sentido
Acumularia meu tesouro secreto.
Mas descobri que existem almas iguais
Que como eu, escondem-se em lugares assim
E até com muito mais
Do que coleciono pra mim.
Só assim entendi
Que talvez esse elo não seja só meu
Porque existe alguém
Que guarda segredos como eu.
E soltos, refugiados em algum lugar
Pessoas que queiram igual, de repente,
Possam se encontrar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

São eles


São eles, os sonhos, que me deixam assim.
São eles, soltos, que maltratam minha alma.
Eles não têm o mínimo escrúpulo para pedir.
Cobram friamente, com muita insistência e sem calma.


Não importa a condição em que vivo.
Os sonhos desconhecem o real e o imaginário.
Mal lhes interessa se é possível.
Quando inflamados, desafiam meu calendário.


Apenas querem e exigem.
E enquanto eu não consigo, se revoltam contra mim.
Deixam meu espírito em frangalhos.
Meus sonhos não têm fim.


E quando se realizam é a glória!
Coisa incrível, não há descrição.
Mas logo começa tudo outra vez, os sonhos não param.
Porque a vida de todo sonhador depende dessa continuação.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma lição de Geografia


(Essa crônica eu escrevi a pedido de uma futura professora, para a sua pasta de estágio).



Por incrível que pareça, muitos deles ainda chegam à escola de bicicletas, carroças, cavalos, a pé. Sim, há ônibus da prefeitura, mas apenas para aqueles que moram em locais bem mais afastados. Quilômetros e mais quilômetros escondidos entre árvores, morros e ruas de terra que complementam a paisagem daquela cidadezinha do interior paulista.

Eu havia chegado há pouco. Sabia que seria uma experiência diferente, mas não imaginava que os efeitos disso tudo pudessem acontecer tão rápido, logo no primeiro dia de aula. Moradora de cidade grande desde que nasci, lecionando em escolas de periferia com muitos desafios complicados, não podia imaginar que dar aulas em uma pequena cidade do interior pudesse me fazer sentir isso. Parecia que eu estava em outro planeta.

A minha turminha de 2º ano começava a chegar e, aos poucos, eu ia me habituando com aqueles rostinhos de uma inocência diferente das que eu estava acostumada a ver nas periferias do ABC. Crianças são crianças em todo lugar, mas não sei se era o local, se era o clima, mas essas traziam algo mais no rosto. Apesar de a próxima aula ser de geografia, eu senti que tinha muita história para aprender e descobrir ali.

Olhos curiosos te seguem em todo canto quando você é nova no lugar. Imagine quando esse lugar é pequeno – com certeza há muita língua afiada por toda parte. Mas não faz mal. Agora a minha rotina é diferente. Eu escuto um galo cantar quando acordo. Ao sair, dia bem claro e luminoso, ar fresquinho da manhã. As pessoas te cumprimentam, riem à toa, elas falam com você sem precisar de assunto. E quando você é a nova professora do filho delas, aí é assunto que não acaba mais. As crianças vão chegando. São costumes e hábitos realmente diferentes. Senti um frio na barriga... será preciso mudar meu jeito de ensinar? Não tinha pensado nisso ainda, mas também não tinha imaginado que a algumas centenas de quilômetros dentro de um mesmo Estado havia tantas e diferentes particularidades. Talvez não tenha que mudar meu jeito de ensinar, mas sim minha visão urbana da vida e da realidade de cada um.

Na sala de aula eu tentava explicar as diferenças de um lugar para outro. Zona rural, zona urbana. As dúvidas surgiam meio confusas. Bem, decidi, então, destacar os aspectos principais de cada caso, dessa forma, trabalharia diversos pontos em uma mesma lição. Relevo, bacias hidrográficas, vegetação, esses seriam meus pontos de partida. Trouxe cartazes, revistas, livros que tinham as melhores imagens que iam ilustrar a minha aula, e assim, ia falando e mostrando a eles a diferença de um lago e um rio, do cerrado e da floresta, e assim por diante. E eles riam, naturalmente, a cada imagem que viam, como se aquilo fosse a coisa mais rotineira do mundo para eles. Só podiam estar tirando uma com a minha cara! Foi quando eu mostrei a imagem de uma pequena cachoeira e um dos meninos gritou:

_ Olha, igual a que tem na sua casa, Jair!.

O Jair levantou, concordando com o coleguinha, e apontou para outro cartaz:

_ E lá perto tem pedras como essas aqui também.

E de um minuto para o outro eu estava diante de um diálogo intenso entre crianças de 7, 8, 9 anos mostrando, através de minhas figuras, o que elas tinham em seus quintais. Foi então que uma aluna, menina bem miudinha, me disse, apontando o dedo para fora:

_ E esse campo aqui é que nem esse ali de fora, né professora?

Quando eu olhei janela afora, foi como se a luz apagada dentro de mim tivesse acendido, bem forte... PÁ! Eu estava ensinando geografia àquelas crianças de uma forma tão distante, tão improvável, no automático, como fazia para as crianças da periferia. Que erro! A grande diferença é que lá na periferia era mesmo algo muito distante, pois elas viviam cercadas naquela selva de concreto, em meio a tanto barulho, sob um céu cinzento, e era tão impessoal o contato que mantinham com tudo à sua volta que só me restava ensinar por meio de fotos e cartazes. Mas ali, na cidade do interior não, era tudo muito ao alcance das mãos. De mãos como as minhas que raramente tocaram a grama, a terra, a água de uma nascente.

Fui, imediatamente, pedir autorização à diretora para dar minha aula lá fora, pois lá eu tinha tudo que precisava ao alcance das mãos. Saímos de trás dos muros da escola e desbravamos as redondezas, vimos de tudo. Tomei água de bica, conheci tipos diferentes de árvores e vegetações, vi rios, lagos atrás dos portões vizinhos. E enquanto eu ensinava nomes e dados técnicos de cada coisa ali aos meus alunos, ria ao me conscientizar que eles mal podiam imaginar que a maior lição quem teve fui eu.

Para eles, a natureza é uma companheira de tempo integral. Para mim era, até então, imagem de livro. Eles descobriram o que tinham no caminho, em casa, no vizinho, aprenderam o nome correto de cada vegetação, e eu aprendi a olhar para fora da minha janela tão limitada e a desfrutar cada canto em um lugar onde os caipiras, sem saber, têm muito a ensinar.

E foi assim que, baseada na realidade e na beleza escondida em tudo, que as minhas aulas passaram a ensinar verdadeiramente. Mais do que dizer, eu aprendi a ver e a mostrar, a envolver e me envolver de corpo e alma naquilo que faço. E então, a janela se abriu de vez.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Passou


Passava os dias distante.
Passava nas ruas distraída.
Passava e não olhava.
Ora, ela não sentia,
ela não tinha motivo para olhar.
Passava, simplesmente,
imersa nos seus sonhos,
perdida nos seus desejos.


Por fora parecia que tinha tudo.
Quem via reparava,
mas ela não,
nem notava.
Era tão comum, tão igual,
não se sentia observada.
Por isso passava, quieta,
sempre pelo mesmo caminho,
em direção ao mesmo lugar.


Um dia se sentiu diferente.
Sonha tanto.
Quem a via caminhando tão tranqüila
não conhecia o tamanho
dos sonhos que nutria,
do romantismo que escondia.
Um dia, num beijo
dado na mesma calçada em que passava
a despertou.
Sentiu-se distante do mundo.
Sentiu-se anormal.
Tanto sonhava,
tanto imaginava,
e veja só, caminhando sozinha
há tanto tempo que nem lembrava.


Agora, atenta a todos os lados,
procura apressada,
espera inquieta,
por alguém que nem sabe quem é.
Apenas anda e observa,
e vê em cada rosto
a possibilidade do encontro
que sempre sonhou pelo caminho:
o sorriso que tanto procura
nos lugares por onde passa,
nos capítulos que esperam,
nas lágrimas solitárias,
no romantismo em vão escondido.
Quase implora pela chegada
desse corpo e dessa alma
que finalmente surja
disposta a ser seu abrigo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Domingo de feijoada

Costumo dizer que a sexta-feira é o melhor dia da semana. E assim que termina o expediente tenho o melhor dia da semana no melhor horário. A noite de sexta parece mais longa, infinita e sem limites. Sim, é o anúncio do sábado com aquela deliciosa sensação de liberdade.


Em famílias numerosas e barulhentas como a minha é impossível planejar o fim de semana. Primeiro é preciso saber qual a disposição do pessoal, porque se há uma coisa imperdoável, é passar o final de semana longe um do outro. Mesmo que seja um dia livre, de sossego e guiado apenas pela vontade, há sempre um compromisso inadiável: estarmos todos juntos. Nós somos completamente contrários a regras, menos essa, que é sagrada.


Assim que amanhece o sábado o barulho já começa. Como se estivessem mortos de saudade, cada membro, grandes e pequenos, já vai chegando à sede da família: a casa da mamãe – que por sinal também é a minha. Na mesa do café, conversa vai conversa vem, e os planos que nunca são percebidos realmente como planos começam a acontecer. Nessa hora registramos os maiores níveis de volume na voz. Saem brigas, discussões, risos, piadas, declarações indiretas de amor eterno. Até que uma palavrinha mobiliza a turma toda: feijoada. Sim! Vamos fazer feijoada neste domingo!!!


Na verdade, a grande preocupação do sábado lá em casa é com o domingo: o que vai ter para o almoço na grande mesa lá de fora??? O importante é que todos estejam em casa, pois a falta de um já deixa a mesa meio bamba, o dia mais sem graça. Então, constatada a presença de todos, quanto vai ficar? Pensa que feijoada lá em casa é feita em uma panela de pressão? Que nada! Dia de feijoada é dia de pegar aquela panelona gigante, de escola, dar uma boa lavada e juntar a força tarefa. E então, divididas as despesas, é hora de ir ao supermercado.


A feijoada é especialidade de mamãe. Aliás, quase sempre é ela quem coloca a mão na massa literalmente. Mas dia de feijuca é expectativa, ansiedade, beiços lambidos o dia todo, já que a feitura do prato começa no sábado à noite para amanhecer pronto e descansado. Mas engana-se quem pensa que pela iguaria mais popular do Brasil amanhecer pronta o domingo nasce calmo. Ahahahaha. Quando não tem um dos filhos provando, em plena madrugada, em nome do ‘Controle de Qualidade”, essa penosa função é exercida assim que o dia amanhece – e o fiscal, geralmente, é meu irmão.


E o dia é uma bagunça! Mulher que não acaba mais dentro de uma cozinha tão pequena. Elas se juntam numa força tarefa que inclui colher a couve, preparar os torresmos e fazer o arroz, descascar as laranjas, lavar a louça, arrumar a mesa, fazer doces. Sim, claro, doce não pode faltar nessa mesa. Assumidamente gordos e escrachadamente felizes, esse pessoal nem se preocupa onde vai caber.


Nosso estômago é dividido em compartimentos. Um para a comida, outro para a bebida, outro só para os doces (e esse é bem espaçoso viu), outro para frutas, enfim, tudo muito bem distribuído. E assim, mesa posta e redes devidamente penduradas terraço afora, é hora de atacar! Tem pé de porco pra todo mundo, o refrigerante predileto de cada um, a provocação simples e a risada alta.


Em pouco tempo faz-se o silêncio. O que será que houve? Barriga cheia demais!!! Com muita preguiça, quase passando mal, um resmunga uma coisa aqui, outro responde ali, todos olham a rua, o céu, a grama, o sono. Chegou o momento de disputar uma rede e contemplar a gula satisfeita até que as sobremesas sejam trazidas. E viva o domingo, a fartura, o barulho , o sarro que um tira do outro por estar quase explodindo. E assim que os doces também são devorados, o ambiente é governado pela preguiça completa, quando cada um procura um cantinho pra tirar uma soneca ou simplesmente observar o céu recostado em algum dos pilares.


Lá em casa todo domingo é dia de festa. Festa sem música, sem bexigas e sem bebidas alcoólicas, entre onze membros de 2 a 73 anos que não sabem viver sem exagero, sem barulho, sem uma boa discussão e uma boa piada. Onze pessoas que não conseguem se ver longe uma da outra e que não precisam de motivos para comemorar a felicidade de viver onde vivem e sob a companhia de cada uma daquelas personalidades tão diferentes. Todo domingo é dia de reforçar o contentamento por estarem ali, e só. A única coisa que muda nisso tudo é o menu.

Falando em menu... o que tem de bom aí pra comer?

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Uma imagem bonita

Recebi essa imagem hoje cedo, pelo orkut, da minha amiga Débora.
Achei linda!

Teclas


Eu preciso das teclas!


Em pensamento é por elas que eu busco assim que alguma idéia brota nessa minha mente romântica e fértil.


Romântica sim, como nos contos mais melosos de antigamente, mas metida à besta como na sofisticação dos dias atuais.


O computador, desde que entrou em minha vida, passou a ser parte integrante do meu kit de sobrevivência em todas as selvas onde eu possa ir parar.


Não é que o papel e a caneta estão sendo, com isso, descartados da minha rotina, mas é com pesar que eu admito: eles não me inspiram mais como antes. Não mais do que as teclas.


Agora, quando me entrego ao mundo encantado das letras, para onde eu queria me mudar definitivamente, é para as teclas que eu corro, e recorro. Esse papel em forma de caixa iluminada (em todos os sentidos), e essa caneta em quadradinhos que dá a cada letra, ponto e sinal uma identidade peculiar, são hoje os instrumentos que definitivamente me conquistaram.


É claro que eu não pretendo abolir o papel e a tinta, nem pensar! No final, tudo volta mesmo ao bom e velho papel. E eu gosto de papel. Quanto mais coloridos, e novas texturas, melhor! E canetas também. Ainda faço coleção delas, e não resisto às extravagantes e de cor rosa.


Mas quando a inspiração aparece, não importa o gênero, são as teclas que eu busco, é nelas que desejo descarregar esses impulsos íntimos. Aquele barulhinho de tlec tlec tlec a cada letra que materializa meus pensamentos se tornaram irresistíveis.


Sei que são, às vezes, frias demais, alvos de duras críticas dos amantes do pergaminho, e dependendo do lugar ou situação, ainda, inacessíveis. Mas são delas que eu sinto uma falta terrível. Meus dedos mexem sozinhos, meus ouvidos detectam, esteja onde estiver, o barulhinho delas. E até quando, sem escolha, volto ao rejeitado papel, deliro tentando achar as teclas de atalho, ou o corretor ortográfico para auxiliar em meus rabiscos.


Não sei. Minha mãe, que era digitadora, conta que toda a minha gestação aconteceu sobre as teclas, e seus colegas de trabalho perguntavam como ia a “digitadorinha”. Talvez seja essa a melhor explicação para a minha fissura. Depois que entrei para esse mundo digital não penso mais em outra coisa.


É inquestionável, porém, o tom romântico e criativo do papel, e das tintas que carimbamos nele de diversas formas, assim como o valor sentimental do original, que é intransferível, como a primeira versão rabiscada, por exemplo. Mas eu não consigo explicar. Assim que a poesia, a crônica, a crítica, o assunto, enfim, surgem, eu já ouço o tlec tlec tlec, e sinto meus dedos se mexerem para cima e para baixo, em perfeita sintonia. Os dedos são os bailarinos, as teclas são o palco, e as idéias, sinfonia.


Escrever é o que eu gosto. O tempo todo eu escrevo, mentalmente. Todas as situações são automaticamente convertidas em textos em minha mente. Eu monto, em pensamentos, os mais variados textos. Primeiro vejo algo que facilmente me remete a esse planeta fantástico das histórias, e logo me imagino escrevendo, de forma a enxergar claramente a construção, sem parar. Então, antes que eu possa me dar conta, sou acometida de uma terrível necessidade das teclas. Elas, e suas facilidades, e seu barulhinho.


Em frente a elas, de tlec em tlec, vou vendo acontecer, registrando um pouco do que há de maior
em mim. Lá do fundo, um mundo à parte que há dentro de quem conhece o sabor que tem esse casamento de letrinhas, vai surgindo e me trazendo bem-estar, tranqüilidade. É uma sensação deliciosa que agora é, inquestionavelmente, imortalizada através do idioma moderno e viciante do tlec tlec tlec das teclinhas.

Inspiração



Eu não quero me inspirar em nada.

Eu quero ser a vítima da inspiração,

Capturada!

Não quero procurar em volta

Algo para escrever, sonhar, esquecer...

Quero ser pega de surpresa,

Ser fruto de súbito criar.

Não pretendo esperar o olho brilhar.

Anseio por sentir

Algo mais forte e fiel do que enxergar.

Espero pelo vulto de insensatez

Que consiga me arrastar,

Que me faça largar tudo por um instante

Pra me saciar.

A irresponsabilidade involuntária ainda não chegou.

Não senti a batida do desespero inexplicável

Por algo que não tenho,

Nem estou.

Sei que existem mil saídas para escapar,

E não pretendo deixar o movimento do mundo,

Só quero adquirir o instinto de saber

Quando a vontade for mais forte,

Voar!

sexta-feira, 20 de julho de 2007

20 de julho - Dia do Amigo


A vocês que habitam meu coração ininterruptamente, de perto ou de longe, e não precisam jamais pedir licença pra entrar (e que jamais deixarei sair). Que me fazem companhia, repartem comigo o que sabem, o que gostam, o que riem, o que descobrem e tudo o mais, uma pequena homenagem pelo DIA DO AMIGO.

Graças a vocês, eu nunca me sinto sozinha. E espero que tenham consciência de que, no que depender de mim, vocês também não ficarão sozinhos dia nenhum - pois não há dia que se passe sem que eu agradeça pelos amigos que tenho.

E eu sei que todos os anos, nesta mesma data, eu envio esse poema. Mas fazer o que se ele diz tudo e mais um pouco, não é? A insistência é apenas para relembrá-los do valor que têm para mim.

Um beijo especial
Obrigada por estarem aqui,
Aliz


Amigos
Vinicius de Moraes


Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências ...

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí, e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.

Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer ...

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente, os que só desconfiam - ou talvez nunca vão saber - que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Viagem sem fim


Decidi viajar sem data prevista para voltar, sem planos previamente traçados, sem saber por onde irei passar.


Vou pegar meu barquinho de papel e deixá-lo navegar livremente. Que me leve para onde quiser, para onde a maré empurrar. Eu vou relaxar e curtir a viagem, observar cada passagem e sentir as estações.


Se meu barquinho de papel precisar de ajuda para seguir, usarei minhas canetas coloridas como remos e darei continuidade à minha viagem.


E navegando por águas calmas, experimentarei a brisa fresca desse mar límpido, onde cada letra representará uma espécie rara de peixe que enriquece o fundo de mares nunca navegados.


E assim irei, calmamente remando com canetas coloridas entre letras encantadas, com meu barquinho de papel. E não sei quando e como irei voltar, porque minha bagagem serão as lembranças das coisas que vivi, as armas serão tudo o que aprendi, e serei alimentada pelas novas descobertas que essa viagem sem rumo me trará.


Será nessas águas mansas que mergulharei para lavar o corpo e a alma, e de mais nada precisarei. Meus remos darão cor ao meu novo rumo, e quem sabe esse meu barco de papel resolva desembarcar eternamente em alguma Ilha que eu mesma criarei.

Que falta



Parece mesmo que faz tempo...
Talvez até eternidade!
Mas mesmo que por um momento
Só sei sentir saudade.


Onde estará agora
aquele riso que nunca ouvi?
E aquela face que nunca beijei?
E aquele gosto que nunca senti?


Está aqui, sem dúvida.
O tempo todo, me rodeia.
Ignora todas as explicações,
e tão intenso, que me tonteia.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Ilha Mulher


Reservada e desconhecida, essa ilha deságua em si mesma. Enfeita-se de todas as vaidades, é sua característica principal. Veste-se de mistério, jamais foi habitada. Sabe tudo de si e muito dos outros, mas jamais permite que descubram seus segredos. Talvez seja grande e vasta demais para que sua descoberta seja possível.


Muito admirada. Desejada! Mas quem a observa fica de longe. Por mais que se aproxime, a distância sempre é grande demais. Não que a Ilha se mova, fugindo de qualquer um que se aproxime. É que ela é como o horizonte: ao alcance dos olhos mas longe das mãos. Está ao alcance de todos os olhares, mas longe de qualquer entendimento.


É bela, dócil, sutil, pura e forte. Mas é exigente! Seu destino é mesmo ser desconhecida... eternamente desconhecida, pois é a única que sabe de suas vontades, seus limites e o caminho para realizar seus sonhos – tão simples, no entanto tão impossíveis . Ainda não a olharam desprovidos de receio e malícia para poder desvendá-la.


A Ilha Mulher é um mundo oculto dentro de seus encantos. Ainda não se sabe se é uma ilha com um imenso coração ou um imenso coração guardando uma ilha. O importante é que já se sabe que as águas que a envolvem e protegem são feitas da mais pura emoção.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Pessoas são Ilhas


Todas as pessoas são Ilhas,

e todas desconhecidas.

Assim como Ilhas são cercadas por água,

as pessoas são cercadas por pessoas,

e por coisas, e por animais...

E todos somos cercados de mistério!

Mesmo tendo tanto ao nosso redor,

sabemos o significado de solidão.

Mesmo dispondo de tantos recursos,

não nos basta o auxílio da multidão.

A Ilha desconhecida é sozinha,

nunca foi pisada por alguém,

mas existe e está quietinha,

esperando por ninguém.

As pessoas são assim,

fazem barulho e ocupam espaço,

mas não entendem seu próprio latim.

Em busca de algo desconhecido,

procuram entender e aprender,

porque nunca se está convencido

do modo certo de viver.

E assim, todos lançam-se à procura

de algo que possa responder,

qual a doença e qual a cura

dessa síndrome do querer.

Globo Terrestre


Quando eu estava perdida entre meus próprios pensamentos, e envolta na minha grande solidão, eu não conseguia enxergar as cores vibrantes da vida. Eu não via nenhuma porta aberta, nenhum caminho que me levasse de volta ao meu coração. Eu não sentia mais ele pulsar.

E me fazia imensa falta aquele ritmo diferente das batidas... aquele suspirar vagaroso... aquela ânsia em não saber, mas querer mesmo assim. Me fazia falta a explosão interna que ocorria, a presença de alguém, a imagem ao fechar os olhos.

E agora? Agora eu vejo que exagero o meu em achar que nunca mais... Agora eu sinto a brisa leve do sossego tocar novamente minha face, em sinal de boas vindas ao glorioso mundo das emoções e da esperança.

Agora a música toca incessantemente ao pé dos meus ouvidos, e me guia para as diversas entradas e saídas que se abrem ao meu redor. E o colorido do dia interminável de primavera me guia para as diversas possibilidades de ser feliz.

E tudo é poesia e verso. Tudo paz, contentamento...sonho. É tudo simplicidade, vida, tranquilidade. Há brilho, luz, fantasia. Há, por toda parte, esse despertar da minha alma, que faz festa todo dia pelo simples fato de conseguir identificar toda a beleza da vida.

O globo terrestre, que agora cabe bem na palma da minha mão, canta e cintila. Meu mundo agora é diferente. É maior e mais fácil de percorrer. É mais generoso e sutil. É mágico simplesmente, porque é gorvernado pela força estranha e inevitável do amor.

O Mar


Há um mistério todo especial
Navegando em mim.
Rema, rema sem parar,
Parece que não cansa...
Não sei onde quer chegar.


Mesmo sendo esse meu mar íntimo,
Lugar perigoso, imprevisível...
Navega sem parar,
Sem receio, sem medo ou indecisão.
Rema... rema sem cessar.


E as vezes calmo, tranqüilo, se entrega
Meu mar curioso,
À espera de em algum canto aportar,
Esse mistério que não cede.
Rema... rema para algum lugar.


Impaciente, provoco tempestades.
Ondas gigantes,
E vendavais repentinos.
Mas nada contém esses remos...
Que remam... não desistem de me navegar.


Talvez ele não me veja realmente.
Ou não deseje mesmo parar.
Esse mistério que tanto me desbrava...
E não descansa, e não chega,
Só queira mesmo manter agitado e vivo
O meu mar.

Beijo Sapecado


Sabe aqueles beijos sapecados que de vez em quando a gente ganha?


É... esses que a gente não espera. Vêm de repente, bem forte, na cara da gente... estalado!


Hummmmmmmmmm.... esses é que são bons! Porque podemos não estar esperando, mas sim precisando, desejando, sei lá... Beijo assim nunca é demais, já que, por serem repentinos, de surpresa, são carregados de sinceridade, de amor, de vontade ué!


E só de saber que alguém nos quer bem assim, ao ponto de nos sapecar de beijinhos...ahhhhhhhhhhh... já é um grande alento!


É nada mais, nada menos, do que um estalo por fora que consegue tomar a gente todo por dentro... esquenta! Só faz bem, tanto pra quem beija tanto pra quem recebe, porque depois a troca costuma ser automática! Depois...ah... o efeito demora a passar.


Então... é isso que eu vim fazer aqui nesse momento. Te dar um desses beijos estalados, sapecados em você todinho! Roubados??? Talvez... beijo roubado também é bommmmmmmm... Ter alguém que nos traz essa vontade, de sapecar um beijo também é tudo!!!


Agora já beijei... vou saindo de fininho. Que fique em você o gostinho desse meu imenso bem querer.

O Sono


O sono é uma contemplação,
O mais incontrolável dos instintos.
Não há como resistir.
É um mergulho inexplicável na alma,
Ritual misterioso que é dormir.

Cineasta dos mais loucos,
Produz filmes, imagens e cenários,
Montagens mistas e sem nexo.
Os sonhos revelam segredos profundos.
É o mais igualitário dos desejos.

Por vezes relaxante, por vezes tranqüilo.
As vezes pesado, as vezes sensível.
É o sono que abraça inteiramente,
Leva para o universo pessoal.
Descanso ou esconderijo:
A nossa própria nave espacial.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Esperança


Estendi os braços e peguei uma carona num aviãozinho de papel que passou bem perto de mim. Agarrei forte em suas asas e, nesse instante, o vento abrandou sua força para não bater, só acariciar. Não sabia para onde ia o aviãozinho e nem tinha um destino programado, só queria voar dali para algum lugar que me trouxesse algo que eu já não sabia mais onde estava.


No instante em que levantei os braços senti uma energia benéfica, como uma voz garantindo segurança e pedindo apenas confiança. Me deixei levar pelo vento que se transformou em brisa, sobre campos que acenavam pra mim, entre nuvens que abriam caminho pra eu poder enxergar longe o azul simples e intenso.


O sol, amarelinho e purpurinado, gentil como ele só, diminuiu os raios que mandava em direção a Terra só pra não me queimar, e sorriu, glorioso, um riso de amizade e segurança. Os pássaros acompanhavam meu vôo incrível fazendo piruetas e cantando, com a simpatia única de amigos que eu nunca conheci, mas que sempre estiveram lá.


E cada vez que eu me desequilibrava, a terra lá em baixo se afofava, gritando para que eu me segurasse pra não perder o destino, mas caso caísse, me acolheria como um travesseiro gigante de plumas. E o ar era fresco e abundante... pacífico e só.

Então o aviãozinho olhou pra mim e perguntou onde eu gostaria que ele me levasse. Foi quando eu levantei meus olhos para o céu e gritei: “onde estárá?”. E num cochicho arrepiante o céu indicou ao aviãozinho amigo o lugar certo para me deixar.


Fui percebendo que a velocidade do meu vôo ia diminuindo, que, de leve, ia caindo, chegando mais perto do chão. E quando meus pés já se aproximavam de um solo que eu nunca pisei, brotaram, repentinas, flores coloridas e muito vívidas, sobre um campo verde e viçoso que abriu os braços para me receber.


De repente senti os pés tocarem o chão, os braços soltarem o aviãozinho, que me olhou e sorriu o sorriso mais leve e sincero que eu já vi num tom de despedida. O vento se fez ainda mais brando, o ar, agora mais quente e o Sol totalmente iluminado. Até que o silêncio tomasse por completo aquele lugar e eu, parada em meio a um paraíso gigante que oferecida de si toda a paz. Foram embora meus amigos, acenando de longe, espalhando perfume naquela imensidão.


Baixei os olhos da direção do céu pra contemplar aquela vista. A natureza fazia ciranda em volta de mim enquanto o mundo fazia silêncio e suspense, até que uma voz suave e misteriosa me disse: “Está aqui...”. Girei sobre mim mesma, sem saber pra onde ir e, confusa, fechei os olhos como quem não podia acreditar.


Disparei por entre as flores do campo que sorriam ao me dar passagem até ouvir de volta o som da vida, baixinho, delicado, anunciando que os sonhos nunca são em vão. Até que avistei, a uma distância tão generosa, o brilho daquilo que eu procurava há tanto tempo, de quem tinha se escondido de mim sem me ensinar a esquecer. Abriu os braços diante de mim como um mar, transparente e limpo onde eu mergulhei.


Quando percebi, dentro daquele abraço eu pairava pelo ar novamente. Reapareceram meus amigos filhos do tempo, da natureza, do universo, meu aviãozinho de papel, abrindo-se em forma de poesia, saudando aquela felicidade que se concretizava bailando céu adentro. Era a saudade que se despedia, dando lugar à esperança que renascia.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Quando eu estiver escrevendo



Quando eu estiver escrevendo
Não quero ser incomodada,
Não quero ouvir barulho algum,
Quero apenas sentir cada palavra.


E enquanto eu estiver assim
Nesse estado glorioso de isolamento,
Que me deixem flutuar e não se admirem
Se me virem rodopiando no vento.


Deixa-me sentir cada palavra
Cada ponto, cada acento.
E viva esse estado de alma interminável
Onde eu me escondo em busca de contentamento.


As letras quando estão soltas
Representam possibilidade sem fim.
E quando mostram-se fáceis de unir
Demonstram o infinito dentro de mim.


Cada palavra que se solta
E cada frase que se revela
Me trazem a sensação de ser
Realmente livre, realmente bela.


Por isso me deixem aqui no silêncio
Dos que fora estão.
Porque daqui de dentro soam gritos
De criatividade, paz, emoção.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Vontade, Tempo e Disponibilidade


Há um conflito muito grande entre vontade, tempo e disponibilidade.


A vontade, pra começar, é algo que dá e não passa. Ela fica e insiste, mas nem sempre vence. Na maioria das vezes é o tempo o grande vencedor da parada, mas também, em certas vezes, um injustiçado. Ele sempre leva a culpa de tudo. É sempre por “falta de tempo” que se deixa de fazer as coisas das quais se tem vontade. Mas será mesmo que o tempo é sempre tão escasso assim? Não, nem sempre, pois, por muitas e muitas vezes é a falta de disponibilidade que não deixa que atendamos a chorosa e pidonha vontade.


É, as vezes a vontade é descabida, mas quem vai discutir isso? O que é de gosto regala a vida, não é mesmo? Não cabe aqui em todo esse julgamento, na busca pelo verdadeiro culpado, analisar os absurdos e excessos da vontade. Nesse caso ela é vítima inquestionável, afinal, sempre acaba “na vontade”. O tempo, por sua vez, é o primeiro a ser acusado: “não fiz aquele desenho por falta de tempo”; “não cortei os cabelos e nem pintei as unhas por falta de tempo”; “não deu tempo de ouvir aquela música”; “fiquei vários dias longe de meu diário – que nem é diário - porque o tempo é curto demais”...


Sim, parece que as horas estão passando bem mais rápido. Soma-se a isso o fato de precisarmos fazer mágica durante o dia, já que as nossas tarefas e compromissos acumulam-se cada vez mais também. É sempre preciso abraçar mais uma causa, atender a mais alguém, assumir mais alguma responsabilidade, encarar uma distância maior, fazer um curso a mais, trabalhar algumas horas extras, coisa e tal. E aquela poesia que já estava desenhada em sua mente vai desaparecendo pouco a pouco por pura falta de concretização, de reprodução. E aquele banho mais demorado sempre fica pra depois, já que se está sempre atrasado. E aquela música, aquele abraço, aquela brincadeira, aquele artesanato vão ficando pra depois. Um depois que nunca vem.


Mas se o tempo está curto a culpa não é dele. Ele não mudou seu decorrer. As horas correm normalmente e, até onde se sabe, os minutos ainda são feitos de 60 segundos e as horas de 60 minutos. O fato é que nós, pessoas modernas, globalizadas, escravas do consumo e do capital, queremos fazer sempre algo mais, porque nunca deixamos de querer. E nesse caso a vontade volta, mas um pouco disfarçada. É algo como uma vontade não declarada de ter mais dinheiro, de ser mais importante, de fazer mais, de estar em todos os lugares e de se inserir cada vez mais no miolo VIP do mundo.


A raiz desses problemas todos está - só pode estar - na disponibilidade. O ser humano não está mais disponível nem para ele mesmo. As coisas simples da vida, as vontades, tornam-se “tolas” ao ponto de sempre ficarem pra depois. O que não pode ficar pra depois é a loucura, o estresse, a pressão, as cobranças, as contas, o trabalho e tudo que sobrecarrega mental e fisicamente. E aí, quando bate aquela vontade absurda de falar de amor ou de ler um dos salmos da bíblia, não há saída, tem que ser arquivada, porque, quando se pode, se está cansado demais para fazer.


As vezes se trata de coisas tão simples que podem ser feitas ali, naqueles minutos antes de dormir, ou enquanto se toma banho, ou mesmo enquanto se come ou se espera por algo ou alguém. Mas a disponibilidade não vem. O tempo está ali, vago, dizendo “você pode”, mas a disponibilidade ficou lá, na casa da preguiça, do cansaço, da bobeira.


E aí a vontade fica frustrada e perde-se o melhor de nós, a essência do que há dentro de cada um e quer tanto sair, mas que é 'amordaçada' até adormecer – como criança que, de tanto chorar, acaba pegando no sono e esquece. E é esquecida. Deixamos pra um depois permanente a única coisa capaz de aliviar as maiores aflições: a voz que vem lá de dentro, tão sábia e misteriosa, que tenta a todo custo nos apresentar um pedaço do que é verdadeiramente nosso. O pedaço de “eu” que estará eternamente incompleto de tão grande que é.


Um dia, um domingo de casa vazia, um feriado sem viagem, um verão chuvoso qualquer você pára e se dá ao luxo de atender à sua vontade, e aí descobre quanto tempo perdeu em não atender a si mesmo antes, com a desculpa de que esse mesmo tempo conspira contra seus desejos e anseios. E vê o bem que faz a si mesmo nesses instantes tão curtos de dedicação ao que se quer, ao mais simples que se pode ter, mas ao mais gostoso de ser. E fica leve... leve o bastante pra sorrir mais solto, pra achar graça de qualquer coisa, pra se curtir mais. Fica besta ao imaginar que sofre tanto com as pressões da vida, de tarefas e obrigações, quando pode aliviar toda essa tensão aí dentro mesmo, fazendo as coisas mais bobas e sem cabimento do mundo, mas que são as que realmente suprem sua maior necessidade e te deixam com a sensação de dever cumprido de verdade.


Nessa contagem doida das horas que fazemos dia-a-dia, deveria haver um espaço, por mais curto que seja, para disponibilizarmos a essa vontade cristalina e inocente. Pelo menos para aprendermos mais rápido um modo de viver melhor, de se conhecer e se compreender melhor diante dessa vida cada vez mais inquisidora, mas também cada vez mais desejada.


É, parece que o júri já chegou a um consenso. Há um envelope em suas mãos com o nome do grande culpado dessa história toda. Pasmem! O Juiz anuncia: “declaro culpada a Vontade! Exatamente. A Vontade é a culpada de tudo isso, desse caos interior e exterior. Se não fosse ela, que tanto quer e tanto pede, haveria mais tempo e mais disponibilidade. Mas ela não deixa de querer e, inimiga de si mesma, se disfarça comodamente dentro de uma capa consumista, executiva, de salto alto e óculos de grife, cheia de presença, mas artificial. Artificial porque se deixa enganar com realizações fúteis enquanto mata, lenta e silenciosamente, sua própria essência – a que poderia salvar a todos nós.

A menina


A menina,
Quando está debruçada na janela,
Observa os detalhes e não vê feiúra.
Dedica o dom de enxergar e sentir
Porque assim se sente bela,
Com tudo que ali, à sua volta,
Tão delicado, se revela.


Fica maravilhada,
Essa menina,
Com o dourado do sol no chão,
O verde tão verde da grama,
E o ar límpido que penetra o pulmão.


Ela,
Ri e manifesta-se sozinha,
E sabe-se lá o que se passa
Na mente enfeitada da menina,
Longe de ser franzina,
Longe de ser criança...


Mas é ali
Que as histórias mais felizes
Se formam em sua mente,
E ela gosta muito de contemplar
Até mesmo os cantos mais esquecidos
Do lugar que lhe floresce pela janela.


O som
Silencioso do vento que bate no mato,
Que espanta as borboletas,
Que voam e se atrapalham, e se encontram
Com os passarinhos no telhado,
Combinam com o teclado
Pra onde ela leva essas lembranças.


A menina
Tão grande, tão cheia de sonhos,
Mesmo quando tem de fechar a janela
Pra deixar a noite cair em paz,
Adormece com a certeza de que
Todo dia, nesse lugar, há mais para contemplar.


Com chuva,
Com sol, frio, calor, tempo nublado,
Ela sabe que sempre terá,
Do lado de lá da sua janela
O lar perfeito para morar
E resgatar a menina
Que sempre escapa do tempo
E pula de dentro
para sonhar...