domingo, 23 de março de 2008

Plural ou Singular


Gostaria de entender como as notas musicais conseguem penetrar assim, e quando é, exatamente, o momento em que nos deixamos levar.


A música habita em muitos lábios e por isso é plural. Mas quando cala, diz coisas diferentes para cada um que ouve, aí ela se torna singular. Essa emoção leva aos sonhos ou às lembranças, que as vezes são plural. No entanto, a sensação que cada uma dessas coisas que a gente não sabe de onde vem e nem por quê, é singular.


A vontade humana é plural, ainda mais quando ela se torna fabricada, item de série de um pacote fechado que a gente compra sem saber pra complementar a vida. Mas o sentido de cada um desses itens que acompanham o produto que buscamos é singular, assim como os motivos que nos levam a fazer o que fazemos. E eles podem ser plural e singular ao mesmo tempo, dependendo da direção em que você está olhando agora. Se for pra fora, é plural, mas se for dentro, será sempre, sempre mesmo, singular.


O riso escangalhado é de multidão, que por si só, é plural. As vezes, é desespero, pedido de socorro afogado na falta de argumentos, e aí é singular. Mas o riso plural, que é coletivo e automático, confunde muito, embora seja bem diferente do riso singular, que não toca na sua boca pra acontecer, e acontece o tempo todo em almas mergulhadas na paz.


A paz é singular, sempre foi. E se algum dia acontecer de ela se tornar plural, então é porque deixou de existir. Este mundo aqui não sabe viver em paz, não consegue, ele sobrevive de estímulos muitas vezes sombrios, totalmente plurais. E o que não o deixa parar é exatamente a busca pela paz, por essa coisa tão e tão singular que ele não consegue entender muito bem, só querer.


E esse desejo é plural. Ele vem das massas, dos discursos, das causas nobres e tudo o mais que pinta o bonito, mas que não encontraria razão de ser se conseguisse recriar essa pintura. É o inconformismo plural. Singular seria se, ao invés de pintar, cada um mergulhasse no melhor que possui e apreciasse, simples assim, o que há de bom pra viver.


E viver, é plural ou singular?


É plural no sentido de marchar junto com essa multidão que nasce e vive com a gente ao mesmo tempo, sob os mesmos comandos de uma voz grave e rígida que não se sabe de onde soa. É plural nos desejos conjuntos, nas estampas repetidas, nos sentidos copiados, nas regras e receitas prontas para a felicidade. Mas no sentido da felicidade verdadeira, essa que brota de dentro e vive muito bem lá, e te mantém vivo numa boa dessa forma, e te faz ver de maneiras diferentes e faz sentir um gosto indescritível, então é singular. É ser feliz em aprender, em entender, em superar limites totalmente íntimos, completamente humanos, em coisas tão suas que não podem ser mais nada do que singular.


E o viver singular é atravessar uma etapa importante, decisiva, para a próxima fase desse jogo do qual a gente nunca sai vivo, mas também não morre à toa: sempre vale a pena, afinal, a causa sempre é singular.

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