quinta-feira, 17 de julho de 2008

Contratado




Não me incomoda sair de casa, conviver com desconhecidos ou o trabalho em si. Ele é bendito, uma vez que é exercício para a mente e o corpo. Me incomoda a prisão, a imposição, a chantagem indireta e covarde praticada há tantos séculos. Me ofende a obrigatoriedade de dias e horários, de excesso, de obediência, como se eu fosse um equipamento programável. Me irrita o peso de uns sobre os outros através de ordens, desmandos, autoridade usada de forma burra, ignorante.

Por que vendemos tão barato o nosso tempo? Por que a ausência de pessoas queridas, a distância de tudo que nos faz bem é tão desvalorizada? Por que, em troca de um salário que nunca dá, tenho de fingir não ser humana? Aliás, por que todos fingem juntos essa competência e essa perfeição irreais em qualquer situação, enquanto outros fingem acreditar e aceitar? É mesmo preciso agir assim, se matando aos poucos, fazendo-nos doentes, para sustentar nossas necessidades? Essa ausência de tempo e de vida transforma as necessidades em vaidades e nós nem notamos.

A negação da liberdade é tão violenta quanto a renúncia que fazemos, nós próprios, dela. Tudo em troca de alguns trocados que sequer compram nossa felicidade e tampouco recuperam o tempo perdido e a saúde de outrora, dos tempos em que havia tempo para sermos nós mesmos, sem teatro e nem tortura.

O homem, quando se torna trabalhador, é confundido com ferramenta, máquina, tudo o que é duro, bruto e sem vida, a ponto de confundir-se ele mesmo sobre quem é e esquecer-se do que realmente gostaria de ser.

O trabalho é bendito, deveria ser experimentado assim, como um prazer, uma opção a mais para aprender a ser cada vez melhor como ser humano. Deveria, de verdade, ser humano e natural, tanto quanto são aqueles que o desempenham. Sem gente não haveria trabalho. Ele deveria ser realista, livre, respeitar a natureza pessoal, e não usar de força, de poder, de obrigação. Mas enquanto for praticado dessa forma, sob exigências e imposições, enquanto for mantido sob as mãos impiedosas dessa ditadura mascarada de democracia e direitos, o ato de trabalhar não renderá todos os bons frutos que poderia, nem para um lado e nem para o outro.

O mercado de trabalho global ainda não aprendeu a usar em seu favor a maravilha que tem nas mãos.

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