
E com ela aquele romantismo juvenil. Devo te-lo perdido quando aprendi que amor e admiração só valem a viagem enquanto recíprocos. Aprendi na aula do abandono que tive nesse curso intensivo que fiz pra aprimorar minhas habilidades como pessoa.
E
no Banco de um dos trens dessa viagem deixei algumas de minhas crenças. Algumas
esqueci, outras abandonei propositalmente quando percebi que, no fundo, não
eram boas companheiras. Algumas aventuras só se tornam aventuras quando encaramos
o percurso sozinhos e desnudos.
A
minha extroversão?
Ah,
essa eu guardei no cofre, cuja senha apenas alguns raros possuem. É valiosa
demais pra andar por aí exposta a todo tipo de intenção.
Minhas
habilidades eu refinei. Uso como moeda de troca em estalagens que considero
luxuosas o suficiente quando quero repousar meu valor. O tempo nos concede esse
direito a certas extravagâncias. O mesmo tempo que ensina que nosso valor só
pode ser avaliado com justiça por nós mesmos.
Dos
bens que adquiri destaco o silêncio. Ele potencializa minhas capacidades de
observação e percepção, que eu carrego pese o que pesar, onde quer que eu vá.
São minhas apólices de seguro contra perda de tempo.
Troquei
aquela velha lamparina que carregava nos olhos por um farol, cuja luz fica mais
intensa diante de estímulos palpáveis.
E
quando me vi cansada demais pra caminhar, aprendi que é possível remar no mar
de minhas lágrimas. Elas não precisam rolar em vão. E desse mar aprendi a tirar
algum alimento, alguma sustentação.
Vi
todo tipo de paisagem. Senti saudades. Experimentei diferentes iguarias. Tudo
muito típico, muito improvisado. E senti sede. Como senti sede! Até o ponto em
que decidi guardar sempre um pouco no meu cantil, no lugar da água. Pra não
perder jamais o desejo, pra nunca desistir da buscar por paisagens perfeitas e
experiências extraordinárias.
O
que jamais deixei pra trás foi meu caderninho e meu lápis, sempre seguros no
meu bornal de memórias, com bolsos lotados da ânsia de registrar o que vi e
senti. Que me perdoem as almas elevadas, mas quero guardar o que vi de feio
tanto quanto o que vi de belo. Isso me fortalece.
E
dentre os mercadores pelos quais passei, refinei meu senso de valor. Precisei
trocar o que queria pelo que precisava em muitos momentos, até entender que o
próprio querer é descartável. Foi aí que despi-me de sedas pra vestir-me de
vento. O vento da liberdade.
Sim,
eu voltei. Mas só porque precisava. Havia assuntos inacabados aqui. Mas não
trouxe aquela bagagem que você me via arrastando pelos corredores. Essa eu
troquei por libertação, por rodas na planta dos pés. Quando me olhar agora, não
verá mais nenhum tipo de servidão e muito menos apegos. Isso me serviu de lenha
quando precisei de fogo para iluminar noites escuras ao relento. Mas foi só ao
queima-las que consegui chegar a um novo dia ensolarado.
De
souvenir trouxe mais experiência. E um pouco de dureza de alma também. Fiquei
mais firme e exigente, você irá notar. Meus bolsos vieram abarrotados de
sentimentos, todo o tipo deles. Mas ainda guardo um pouco da doçura que provei
ao deparar-me com o amor verdadeiro: um dos maiores privilégios que pude
conhecer nessa viagem. O amor de quem não abandona, não desampara. O amor de amizades
que não necessitam de presenças para existir. Que não se ofendem com ausências.
O prêmio da compreensão.
Desculpe
se não sou mais aquela que você conheceu, mas só depois de muito rastejar é que
aprendi a escalar e ver a vida de cima. Isso me faz não querer mais voltar ao
capítulo anterior. Pra quê, se posso reescrever minha história? Se posso ser
quem eu quiser?
Sim, eu voltei.