sexta-feira, 16 de novembro de 2007

São eles


São eles, os sonhos, que me deixam assim.
São eles, soltos, que maltratam minha alma.
Eles não têm o mínimo escrúpulo para pedir.
Cobram friamente, com muita insistência e sem calma.


Não importa a condição em que vivo.
Os sonhos desconhecem o real e o imaginário.
Mal lhes interessa se é possível.
Quando inflamados, desafiam meu calendário.


Apenas querem e exigem.
E enquanto eu não consigo, se revoltam contra mim.
Deixam meu espírito em frangalhos.
Meus sonhos não têm fim.


E quando se realizam é a glória!
Coisa incrível, não há descrição.
Mas logo começa tudo outra vez, os sonhos não param.
Porque a vida de todo sonhador depende dessa continuação.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma lição de Geografia


(Essa crônica eu escrevi a pedido de uma futura professora, para a sua pasta de estágio).



Por incrível que pareça, muitos deles ainda chegam à escola de bicicletas, carroças, cavalos, a pé. Sim, há ônibus da prefeitura, mas apenas para aqueles que moram em locais bem mais afastados. Quilômetros e mais quilômetros escondidos entre árvores, morros e ruas de terra que complementam a paisagem daquela cidadezinha do interior paulista.

Eu havia chegado há pouco. Sabia que seria uma experiência diferente, mas não imaginava que os efeitos disso tudo pudessem acontecer tão rápido, logo no primeiro dia de aula. Moradora de cidade grande desde que nasci, lecionando em escolas de periferia com muitos desafios complicados, não podia imaginar que dar aulas em uma pequena cidade do interior pudesse me fazer sentir isso. Parecia que eu estava em outro planeta.

A minha turminha de 2º ano começava a chegar e, aos poucos, eu ia me habituando com aqueles rostinhos de uma inocência diferente das que eu estava acostumada a ver nas periferias do ABC. Crianças são crianças em todo lugar, mas não sei se era o local, se era o clima, mas essas traziam algo mais no rosto. Apesar de a próxima aula ser de geografia, eu senti que tinha muita história para aprender e descobrir ali.

Olhos curiosos te seguem em todo canto quando você é nova no lugar. Imagine quando esse lugar é pequeno – com certeza há muita língua afiada por toda parte. Mas não faz mal. Agora a minha rotina é diferente. Eu escuto um galo cantar quando acordo. Ao sair, dia bem claro e luminoso, ar fresquinho da manhã. As pessoas te cumprimentam, riem à toa, elas falam com você sem precisar de assunto. E quando você é a nova professora do filho delas, aí é assunto que não acaba mais. As crianças vão chegando. São costumes e hábitos realmente diferentes. Senti um frio na barriga... será preciso mudar meu jeito de ensinar? Não tinha pensado nisso ainda, mas também não tinha imaginado que a algumas centenas de quilômetros dentro de um mesmo Estado havia tantas e diferentes particularidades. Talvez não tenha que mudar meu jeito de ensinar, mas sim minha visão urbana da vida e da realidade de cada um.

Na sala de aula eu tentava explicar as diferenças de um lugar para outro. Zona rural, zona urbana. As dúvidas surgiam meio confusas. Bem, decidi, então, destacar os aspectos principais de cada caso, dessa forma, trabalharia diversos pontos em uma mesma lição. Relevo, bacias hidrográficas, vegetação, esses seriam meus pontos de partida. Trouxe cartazes, revistas, livros que tinham as melhores imagens que iam ilustrar a minha aula, e assim, ia falando e mostrando a eles a diferença de um lago e um rio, do cerrado e da floresta, e assim por diante. E eles riam, naturalmente, a cada imagem que viam, como se aquilo fosse a coisa mais rotineira do mundo para eles. Só podiam estar tirando uma com a minha cara! Foi quando eu mostrei a imagem de uma pequena cachoeira e um dos meninos gritou:

_ Olha, igual a que tem na sua casa, Jair!.

O Jair levantou, concordando com o coleguinha, e apontou para outro cartaz:

_ E lá perto tem pedras como essas aqui também.

E de um minuto para o outro eu estava diante de um diálogo intenso entre crianças de 7, 8, 9 anos mostrando, através de minhas figuras, o que elas tinham em seus quintais. Foi então que uma aluna, menina bem miudinha, me disse, apontando o dedo para fora:

_ E esse campo aqui é que nem esse ali de fora, né professora?

Quando eu olhei janela afora, foi como se a luz apagada dentro de mim tivesse acendido, bem forte... PÁ! Eu estava ensinando geografia àquelas crianças de uma forma tão distante, tão improvável, no automático, como fazia para as crianças da periferia. Que erro! A grande diferença é que lá na periferia era mesmo algo muito distante, pois elas viviam cercadas naquela selva de concreto, em meio a tanto barulho, sob um céu cinzento, e era tão impessoal o contato que mantinham com tudo à sua volta que só me restava ensinar por meio de fotos e cartazes. Mas ali, na cidade do interior não, era tudo muito ao alcance das mãos. De mãos como as minhas que raramente tocaram a grama, a terra, a água de uma nascente.

Fui, imediatamente, pedir autorização à diretora para dar minha aula lá fora, pois lá eu tinha tudo que precisava ao alcance das mãos. Saímos de trás dos muros da escola e desbravamos as redondezas, vimos de tudo. Tomei água de bica, conheci tipos diferentes de árvores e vegetações, vi rios, lagos atrás dos portões vizinhos. E enquanto eu ensinava nomes e dados técnicos de cada coisa ali aos meus alunos, ria ao me conscientizar que eles mal podiam imaginar que a maior lição quem teve fui eu.

Para eles, a natureza é uma companheira de tempo integral. Para mim era, até então, imagem de livro. Eles descobriram o que tinham no caminho, em casa, no vizinho, aprenderam o nome correto de cada vegetação, e eu aprendi a olhar para fora da minha janela tão limitada e a desfrutar cada canto em um lugar onde os caipiras, sem saber, têm muito a ensinar.

E foi assim que, baseada na realidade e na beleza escondida em tudo, que as minhas aulas passaram a ensinar verdadeiramente. Mais do que dizer, eu aprendi a ver e a mostrar, a envolver e me envolver de corpo e alma naquilo que faço. E então, a janela se abriu de vez.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Passou


Passava os dias distante.
Passava nas ruas distraída.
Passava e não olhava.
Ora, ela não sentia,
ela não tinha motivo para olhar.
Passava, simplesmente,
imersa nos seus sonhos,
perdida nos seus desejos.


Por fora parecia que tinha tudo.
Quem via reparava,
mas ela não,
nem notava.
Era tão comum, tão igual,
não se sentia observada.
Por isso passava, quieta,
sempre pelo mesmo caminho,
em direção ao mesmo lugar.


Um dia se sentiu diferente.
Sonha tanto.
Quem a via caminhando tão tranqüila
não conhecia o tamanho
dos sonhos que nutria,
do romantismo que escondia.
Um dia, num beijo
dado na mesma calçada em que passava
a despertou.
Sentiu-se distante do mundo.
Sentiu-se anormal.
Tanto sonhava,
tanto imaginava,
e veja só, caminhando sozinha
há tanto tempo que nem lembrava.


Agora, atenta a todos os lados,
procura apressada,
espera inquieta,
por alguém que nem sabe quem é.
Apenas anda e observa,
e vê em cada rosto
a possibilidade do encontro
que sempre sonhou pelo caminho:
o sorriso que tanto procura
nos lugares por onde passa,
nos capítulos que esperam,
nas lágrimas solitárias,
no romantismo em vão escondido.
Quase implora pela chegada
desse corpo e dessa alma
que finalmente surja
disposta a ser seu abrigo.