sexta-feira, 20 de março de 2015

Amor silencioso


Alguns amores precisam ser silenciosos. Não podem ser demonstrados, cantados, recitados, declarados. E esses amores costumam ser dos mais imensos. Incuráveis. Mas é que algumas pessoas não estão preparadas para eles. São pessoas que não estão prontas para serem amadas porque, simplesmente, não sabem amar.

Como ter condições de acalentar justamente tão nobre sentimento sem conhecê-lo?

Então é melhor silenciar-lhes o afeto exacerbado, o cuidado que forçosamente é dedicado somente em orações. Súplicas para que estejam bem onde quer que vão; para que, de uma vez por todas, aprendam a amar para poderem desfrutar da dádiva que é ser amado.

Tarefa árdua essa. Amar em silêncio é triste e solitário. Mas se o outro lado não puder enxerga-lo em sua magnitude, quanto mais correspondê-lo, então é melhor que seja assim. Quieto. Preservado. Dói menos e permite que o bom sentimento continue sendo nutrido em algum lugar do espaço e do tempo.

Até que se atinja a compreensão dos porquês desse silêncio, o amor passa por estágios adversos e doloridos. Como todo amor não correspondido, gera decepção, mágoa, rancor, amargura. Até que, finalmente, leva à resignação. Sim, amar também cansa. E é nesta fase que se enxerga com clareza a impossibilidade do outro para esse amor agora.

Quem sabe um dia?

Amor de abnegação. Tão gigante que aceita até a deficiência do outro com paciência. Amor.

Talvez se transforme em sonho. Talvez numa ilusão. Ou, quem sabe, cresça e fortaleça e se torne, enfim, um objetivo. A meta de, por tamanha insistência,  tornar-se a chave capaz de destrancar o cadeado que bloqueia a saída para esse caminho tão melhor. Tudo é possível, afinal... é amor.

São formas de metamorfosear o suplício que é ter um presente único e valioso e não poder entrega-lo. É como uma composição genial que nunca foi musicada.  

Triste e assustador. Um paradoxo, já que as pessoas que não sabem amar são as que mais demonstram necessidade de amor. Carentes, medrosas, intimamente solitárias. Surdas. Que tipo de som rodeia alguém que obriga o amor a silenciar-lhe?

Elas não sabem da quietude em que vivem. Pensam que esses ruídos a que se impõem são as únicas melodias existentes. Pensar nisso leva de volta à oração. Que aprendam a ser amados! Que aprendam a amar! Logo!

Quanto tempo perdido de uma vida! Mas não há cura, apenas o tempo e sua mágica através da dor, da solidão. E do vazio. Até que não haja nenhuma outra alternativa a não ser se abrir para o que ainda não se sabe. Deve ser como começar a escola novamente: as primeiras letras, os primeiros números. A fonética da alma.  

É bom imaginar esse instante. Deve ser como nascer de novo. Só que desta vez, nascer de verdade.

E quando isso acontecer, quantos e quantos amores sairão da clausura do silêncio. Quantos pacotes encantados poderão ser, finalmente, entregues. Imagine o desembalar desses presentes... a surpresa... a descoberta. Ali, o tempo não parecerá perdido, e a espera, o silêncio, serão esquecidos. A música da existência ecoará naqueles ouvidos virgens que, a partir de então, estarão prontos para dar continuidade a essa sinfonia até  que nenhum outro de seus instrumentos precise ser silenciado outra vez. 



Palavras-chave: 
amor silencioso, amor, sentimento, poema, poesia, crônica, quietude, coração

domingo, 1 de março de 2015

Paredes

Essas paredes. Quanta história se acumula nelas. Quantas lágrimas e quantos risos. Quantos segredos e pecados. Quantas vidas elas abrigaram, cada qual com sua carga, sua confusão e seu valor.

Quanto há de vida e de morte impregnadas nessas estruturas que conseguem, quietinhas, frias, ir atravessando o tempo?

Quantas ventanias e tempestades elas contiveram do lado de fora?

E quanto mais essas paredes são capazes de suportar?

Quantos sonhos e frustrações elas testemunharam?

E quanto amor elas refugiaram até hoje?

Essas paredes centenárias. É impressionante pensar em algo que há tanto tempo guarda e protege. E como faz isso bem!

Abrigo nos inversos, refúgio nos verões, no entanto, tranquilas e serenas como em um eterno outono sem privar da primavera que não esmorece: sempre vem.

Até hoje, ao longo de tantas décadas, quanto de sono tranquilo elas já proporcionaram. Assim como novos despertares: da infância para a adolescência; da adolescência para a idade adulta; e desta para a dádiva de envelhecer junto e dentro de algo que se deixou possuir. Que cercou tantos ares e sustentou tantos céus. Infinitos céus!

Ornamentadas com quadros, fotografias, cores... suportes a todo tipo de registro da existência e, ainda assim, as mesmas paredes, o mesmo e fiel palco vertical de crenças, esperanças e saudades.

Paredes que um dia alguém sonhou em erguer para guardar tudo que tivesse e tudo o que fosse. E guardaram. Continuam guardando.

Quantas costas já devem ter apoiado? E mãos? E murros?

O projeto de uma casa até pode se tornar obsoleto com o passar do tempo, mas essas paredes jamais perderão sua poesia. São sustentáculos de algo muito maior do que uma casa. São sentimentos, emoções, lembranças, aprendizados sedimentados. Camadas e camadas de história. São feitas de muito mais do que tijolos e barro. Elas são feitas de insistência, de luta pela sobrevivência.

Apesar de serem construídas, entendem como ninguém de nascimentos e renascimentos. Dia após dia, sempre como se fosse a primeira vez, como se fosse a primeira vida que recebe.

Cúmplices incorruptíveis. Protetoras. Guardiãs. Paredes: alicerces de templos únicos, incontestáveis. Templos que, abastados ou humildes, são sempre inestimáveis. Verdadeiras caixas da existência. De muitas existências. Amiga, confidente e testemunha do tempo, certamente.

Será que sofrem com as perdas?

Será que se deixam contaminar com tanta boa e má humanidade?

Será que sentem saudade?

Talvez sejam apenas cofres invioláveis. O melhor e mais leal guardador de segredos.

Benditas sejam essas e todas as paredes, bem como todas as vidas que nelas se resguardam. De todas as vidas que reforçam as camadas dessas paredes, um sentimento lhes é comum: a genuína vontade de para elas sempre poderem voltar. 


Palavras-chave: 
paredes, recordações, lembranças, casa, lar, família, gratidão, amor, proteção, conforto, segurança, lar doce lar, home, sweet home, nosso lugar, seu lugar, nossas paredes