quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Teclas


Eu preciso das teclas!


Em pensamento é por elas que eu busco assim que alguma idéia brota nessa minha mente romântica e fértil.


Romântica sim, como nos contos mais melosos de antigamente, mas metida à besta como na sofisticação dos dias atuais.


O computador, desde que entrou em minha vida, passou a ser parte integrante do meu kit de sobrevivência em todas as selvas onde eu possa ir parar.


Não é que o papel e a caneta estão sendo, com isso, descartados da minha rotina, mas é com pesar que eu admito: eles não me inspiram mais como antes. Não mais do que as teclas.


Agora, quando me entrego ao mundo encantado das letras, para onde eu queria me mudar definitivamente, é para as teclas que eu corro, e recorro. Esse papel em forma de caixa iluminada (em todos os sentidos), e essa caneta em quadradinhos que dá a cada letra, ponto e sinal uma identidade peculiar, são hoje os instrumentos que definitivamente me conquistaram.


É claro que eu não pretendo abolir o papel e a tinta, nem pensar! No final, tudo volta mesmo ao bom e velho papel. E eu gosto de papel. Quanto mais coloridos, e novas texturas, melhor! E canetas também. Ainda faço coleção delas, e não resisto às extravagantes e de cor rosa.


Mas quando a inspiração aparece, não importa o gênero, são as teclas que eu busco, é nelas que desejo descarregar esses impulsos íntimos. Aquele barulhinho de tlec tlec tlec a cada letra que materializa meus pensamentos se tornaram irresistíveis.


Sei que são, às vezes, frias demais, alvos de duras críticas dos amantes do pergaminho, e dependendo do lugar ou situação, ainda, inacessíveis. Mas são delas que eu sinto uma falta terrível. Meus dedos mexem sozinhos, meus ouvidos detectam, esteja onde estiver, o barulhinho delas. E até quando, sem escolha, volto ao rejeitado papel, deliro tentando achar as teclas de atalho, ou o corretor ortográfico para auxiliar em meus rabiscos.


Não sei. Minha mãe, que era digitadora, conta que toda a minha gestação aconteceu sobre as teclas, e seus colegas de trabalho perguntavam como ia a “digitadorinha”. Talvez seja essa a melhor explicação para a minha fissura. Depois que entrei para esse mundo digital não penso mais em outra coisa.


É inquestionável, porém, o tom romântico e criativo do papel, e das tintas que carimbamos nele de diversas formas, assim como o valor sentimental do original, que é intransferível, como a primeira versão rabiscada, por exemplo. Mas eu não consigo explicar. Assim que a poesia, a crônica, a crítica, o assunto, enfim, surgem, eu já ouço o tlec tlec tlec, e sinto meus dedos se mexerem para cima e para baixo, em perfeita sintonia. Os dedos são os bailarinos, as teclas são o palco, e as idéias, sinfonia.


Escrever é o que eu gosto. O tempo todo eu escrevo, mentalmente. Todas as situações são automaticamente convertidas em textos em minha mente. Eu monto, em pensamentos, os mais variados textos. Primeiro vejo algo que facilmente me remete a esse planeta fantástico das histórias, e logo me imagino escrevendo, de forma a enxergar claramente a construção, sem parar. Então, antes que eu possa me dar conta, sou acometida de uma terrível necessidade das teclas. Elas, e suas facilidades, e seu barulhinho.


Em frente a elas, de tlec em tlec, vou vendo acontecer, registrando um pouco do que há de maior
em mim. Lá do fundo, um mundo à parte que há dentro de quem conhece o sabor que tem esse casamento de letrinhas, vai surgindo e me trazendo bem-estar, tranqüilidade. É uma sensação deliciosa que agora é, inquestionavelmente, imortalizada através do idioma moderno e viciante do tlec tlec tlec das teclinhas.

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