Ouvi falar de um amor incomum. De um amor teimoso e mal criado as vezes. Um amor meio rebelde, meio idealista, meio ranzinza, desses que têm respostas para tudo bem na hora, que brigam e fazem de tudo para se impor. Não era um amor fácil, não, mas era um amor enorme. Um amor desses sem medida, sem cautela. Um amor que não se negava, marcante, inesquecível.
Esse amor tinha dono. Não parecia, mas tinha sim. Ele não dava muito o braço a torcer, mas era todo de alguém que sabia bem que o possuía. E era um amor tão enorme, tão desmedido... mas seu dono o merecia. Seu dono sabia entender aqueles rompantes, aquelas explosões, e até as suas necessidades de calmaria. O dono desse amor aí era sábio um tanto e perfeito o suficiente para vê-lo por dentro e adorá-lo até nessas tantas imperfeições e imaturidades de um amor que ainda tinha muito pra crescer.
E os dois juntos eram invencíveis, completos. Eram mágica de viver na própria rotina da Terra. Os dois se entendiam e se dedicavam de tal maneira que nada precisava ser explicado ou desculpado. Eles se viam por dentro, viam sim. A comunicação, as vezes, era surreal. Falavam as vozes altas, quase sempre, as risadas e os choros, mas também os olhares, os risos disfarçados, as palavras contidas, as vontades e os gestos sufocados. Falavam os gostos, os desejos, os sabores, as cores e tudo o mais. Tudo sempre, sempre intenso. Nessa história de amor tão natural e ao mesmo tempo tão incomum, tudo acontecia em forma de erupção. Era amor + amor, somado cada vez mais com o passar dos dias.
Fiquei sabendo desse amor por alto e, confesso, na hora achei normal. Amor é amor, sabe bem quem sente... mas não, era coisa imensa demais. Era um amor que não desgrudava, que não se via longe, não sabia e nem queria saber do distante. Era amor demais!
Um dia o dono do amor teve de partir e, na hora, não pôde levá-lo. Foi uma correria só, um choro infindável. Os dois não poderiam mais se ver e aquilo, sem qualquer prévio aviso ou preparação, foi um golpe baixo da vida, sufocante. Amor daqueles não se separa, não. Mas foi assim... um mudou de mundo e o outro teve de ficar, tudo em um sopro, um suspiro breve. Esse sopro revirou a vida do amor imenso, lhe trouxe um efeito maior do que um vendaval. O amor, embora enorme, ficou tão sem graça...
De tão revoltado que ficou, decidiu procurar e exigir dos céus uma alternativa, já que ninguém mais poderia ser a outra parte do seu próprio amor. Procurou, brigou, esperneou e nada, ninguém lhe deu resposta nenhuma. Aí, um dia, o amor resolveu, pela primeira vez, adotar a tal da resignação. Até então ele nem sabia o que era, mas teve de descobrir. Ficou sem cor, sem graça, sem vida, esperando por algo que nem ele sabia o quê. Aí a resposta veio.
Recuperando as forças, o amor viu que nada no mundo poderia separar dele o que o tornava tão imenso. Ele viu que nem as forças ocultas do universo são capazes de calar as canções que faziam festa em seu coração, as belezas que lhe reavivam os olhos, o sabor que sentia da vida. Não havia lugar no espaço que fosse longe o bastante para impedir as ondas de amor que iam e vinham, de lá pra cá, de cá pra lá, numa troca constante e eterna entre essas duas partes agora separadas. Mesmo longe, sem a visão, o olfato, o tato, a audição, ele sentia que algo insistia em preencher seu coração, em forçá-lo a levantar e a continuar. Era ele, o seu amor.
Nesse instante ele se sentiu poderoso e vingado. Era rebelde o danado, era bravo como ele só. Essa percepção mostrou o poder inabalável que ele, o amor, junto com o seu outro amor, tinham. E isso vinha... do amor, simples assim, que sentiam mutuamente, portanto, não havia como parar e nem acabar nunca. Esse amor gigante e recíproco nunca deixaria de existir e de crescer, porque as ondas são cada vez mais fortes e inundam esses dois. A vida não conseguiu calá-los e nem intimidá-los. Lhes tirou, é verdade, a escolha, mas não a possibilidade de continuarem amando um ao outro sem parar.
Esse amor nunca precisou de justificativas e nem de desculpas. Agora, ele também não precisa de provas e nem das obviedades da vida. Ele existe e não pára de crescer e se fortalecer. Mesmo com a falta, o amor continua aprendendo e seguindo o seu caminho, e isso o torna ainda mais especial, porque desarma o tempo e mostra pra ele que nada é capaz de anular algo tão verdadeiro e puro.
Ouvi falar desse amor e me arrepiei.
Ps: na noite em que ela se foi, poucas horas antes, eu reclamava porque teria de voltar ao trabalho e não queria deixá-la sozinha, ficar longe dela. Ela, com toda a sua doçura e sabedoria, disse bem de leve: "nós estaremos unidas por nossas almas e nossos corações". Agora, isso é tudo que me resta.
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